terça-feira, 27 de agosto de 2013

Last First Kiss


- Você está fazendo tudo errado, seu burro!- E como é que você sabe?- Plutão é vermelho, não verde.- E quem disse? Não faz diferença nenhuma.- É claro que faz, seu babaca. Verde é Marte.Niall bufou irritado e revirou os olhos.- De onde é que você tirou essas coisas? Tanto faz as cores, o importante é pintar.- Se você prestasse atenção no que eu falo, saberia que eu já pintei Marte de verde – peguei a meia bola de isopor recém pintada e a chacoalhei na frente dele, arqueando as sobrancelhas. Niall deu um sorriso sem graça e molhou o pincel na água, trocando o pote de tinta verde pelo vermelho. – Babaca – eu ri. -Se você não tagarelasse tanto, eu prestaria atenção – disse em tom de reclamação, mas havia um sorriso humorado no canto de sua boca. Eu revirei os olhos.- Quantos planetas faltam?- Hm, esse e mais um.- Termine de pintar, eu vou marcar a cartolina.Levantei da cadeira e fui lavar as mãos na pia. Enxuguei-as com um pano de prato, mas meus dedos estavam tão sujos que alguma coisa acabou ficando nele. Droga, mamãe ficaria uma fera. Voltei ao meu lugar e peguei a cartolina preta. Eu já havia traçado as órbitas com grafite, então só as contornei com uma caneta gel prateada, com extremo cuidado. Nosso trabalho seria o mais lindo. Se o babaca do Niall não fizesse o favor de estragá-lo, é claro.Comecei colando o sol. Niall tinha cortado todas as bolas de isopor ao meio, porque assim seria mais fácil de colar e, também, porque elas eram grandes. Depois, colei Mercúrio e assim por diante. - Você já fez muita coisa, deixa eu fazer – Niall veio com as mãos imundas para pegar a cartolina e eu o impedi com um grito.-NÃO! Niall, não coloque essas mãos cheias de tinta no trabalho! Vai lavá-las na pia, vai, seu porquinho.- Foi mal. - E lave direito.- Nossa, você tá uma grossa hoje, Seu Nome.- Você que é um descuidado. - Pronto, já lavei. Com o que enxugo?- Com sua língua – comecei a rir. Ele as passou nas minhas costas, molhando minha blusa branquinha. Senti minha boca se abrir em protesto.- Ai, eu não acredito, seu imbecil – Niall deu a volta na mesa com as bochechas vermelhas de tanto rir. – Isso vai ter troco.- Tô morrendo de medo. Me passa logo o trabalho, anda.Eu suspirei e virei a cartolina na mesa com cuidado. Niall começou a colar os nomes dos planetas logo abaixo deles e a escrever o pequeno resumo que tínhamos feito sobre cada um. Para não dar brigas, resolvemos revezar. Eram quatro horas da tarde quando terminamos o trabalho. Disse a Niall que o guardaria aqui em casa, pois ele era desastrado demais e acabaria o estragando. Ele protestou por um segundo, mas acabou concordando comigo. - Tem tinta no seu cabelo, seu babaca – avisei assim que chegamos à calçada.- Onde? – ele percorreu os dedos pelos fios pretos, olhando para cima como se pudesse enxergá-los. - Aqui, ó – levantei o pote de tinta azul que escondia atrás do corpo acima de sua cabeça e deixei o conteúdo cair. Ele arregalou os olhos e me olhou furioso enquanto eu ria vendo a tinta escorrer pelo seu rosto. Saí correndo para o outro lado da rua. Niall veio atrás de mim, atirando o máximo de tinta que conseguia.- Eu vou te pegar, sua idiota!E nós gargalhamos, sujos, o resto da tarde.
~*~

Uma semana depois, eu estava de pé junto ao time de futebol mais derrotado de toda a história do Campeonato Interclasse. Eram duas horas da tarde e o campo do colégio estava lotado de pais e alunos.- Eu duvido que algum de vocês faça um gol.- Pois eu vou fazer – Niall disse com uma segurança que me espantou.- Nós vamos ganhar o campeonato – Josh deu aquele sorriso colgate que só ele sabia dar. Suspirei.- Vocês não ganharam nenhum jogo até agora, como querem ganhar o campeonato?- Ela está certa... – Zayn disse com desânimo, passando os dedos pelos cabelos da nuca. – Olha só o tamanho deles, são o dobro da gente! - Deixa de ser mulherzinha, Zayn – Niall deu um tapa na cabeça dele. – Nós podemos não ganhar o campeonato, mas vamos ganhar esse jogo.Eu olhei o time adversário, do outro lado do campo. Os meninos eram grandes e fortes e pareciam ser mais velhos. Tinham ganhado a maioria dos jogos. E, na minha frente, eu tinha... Bem, eu tinha um magrelo que cutucava o nariz, um gordinho que não conseguia correr, três patetas que tropeçavam na bola, alguns retardados que não sabiam o que estavam fazendo lá e Josh, Zayn e Niall. Não eram grandes coisas. É, eles iriam perder.- Bem, boa sorte. Vocês vão precisar. O treinador os chamou para o aquecimento. Comecei a andar até a arquibancada.- Seu Apelido? – ouvi Niall chamar e me virei.- O que foi, bobão?- Duvida de que eu faço um gol?Eu ri.- É claro que duvido.- Bem... – ele curvou os lábios em um meio sorriso. – E se eu fizer?- Bom para você, oras!Niall olhou para baixo por um segundo, coçando a cabeça em seguida. Ele parecia constrangido.- Se eu fizer um gol, você me da um beijo?Fui pega de surpresa. Senti minhas bochechas esquentarem imediatamente. Uma risada nervosa escapou de minha garganta.- Nem sonhando, seu babaca. Saí correndo para a arquibancada. Niall já estava no campo quando me sentei ao lado da aluna nova, que estava meio perdida. Ele aquecia com oJosh. Fiquei o observando por algum tempo, me perguntando o que ele teria na cabeça para me dizer aquilo.
O jogo foi bastante previsível. Os meninos estavam perdendo feio de quatro a zero. Josh às vezes ficava nervoso e ia tirar satisfação com o bandeirinha, que ria do jeito dele, assim como nós. Niall era mais durão, ele apontava o dedo na cara dos próprios adversários e saia correndo atrás quando um deles tirava sarro. Enquanto isso, Zayn saia correndo toda vez que o outro time olhava para ele. Ele era desengonçado e medroso, e eu não me surpreenderia se ele fizesse um gol contra apenas para não correr o risco de ter o dinheiro do lanche roubado. Mas, nos últimos minutos do segundo tempo, as coisas mudaram. Niall conseguiu interceptar um passe e cruzou o campo com toda a velocidade. Era como se não tivesse ninguém à sua frente. Corria com força, desejo e um sorriso confiante e louco nos lábios. A torcida vibrava mais a cada vez que ele se aproximada do gol. A causa era perdida, mas e daí? Eu sabia o quanto isso significava para ele, para eles, e se era importante para Niall, era importante para mim. Eu me levantei. Senti uma energia estranha dentro de mim. Comecei a gritar o nome dele junto ao resto das pessoas e, de repente, gol! Niall saiu correndo pelo gramado com os braços abertos e um sorriso triunfante. Eu pulava de felicidade. Os meninos correram para o abraço e o bandeirinha apitou, indicando o fim do jogo. Eles tinham perdido, mas o que importava? Era o primeiro gol do time deles, e a primeira vez a gente nunca esquece. Os olhos dele encontraram os meus em meio à multidão. Eu o aplaudi. Ele esticou um dos braços e apontou o indicador para mim. Seus lábios se moveram em um pra você, babaca. Novamente, senti meu rosto esquentar.- Quem é aquele, Seu Apelido? – a garota nova perguntou para mim. Eu a olhei e, reprimindo um sorriso, respondi.- Aquele é um idiota. 
~*~

- Eu estou entediado – Niall disse ao meu lado, deitado no chão da sala.- Eu também. O que vamos fazer?- Não sei, não consigo pensar em nada.- Que novidade – debochei. Ele me deu um soco leve nas costelas. – Quer jogar videogame?- Não, estou enjoado.- Andar de bicicleta?- Não.- Assistir televisão?Ele fez uma careta. Bufei.- Ai, Niall, como você é difícil.- Já sei o que eu quero.- O quê?- Eu quero um beijo.Eu virei meu rosto para olhá-lo. Ele me encarava com um misto de humor e aflição. Dei um meio sorriso enquanto revirava os olhos, voltando o rosto para frente.- Pense em uma coisa que você possa conseguir.Ele riu baixo.- Ok, ok... Que tal uma corrida até a sorveteria? – eu franzi o cenho.- E que graça tem isso?- Quem perder, paga. - Não vou gastar minha mesada com você, seu bobão.Niall levantou e calçou os tênis de qualquer jeito.- Então me vença, boboca.E ele abriu a porta e saiu correndo. Levantei no segundo seguinte e percebi que tinha vindo até a casa dele de chinelos. Droga, era horrível correr de chinelos. Sem muita opção e tempo para pensar, saí em disparada atrás dele, totalmente descalça. Eu estava a centímetros dele, mas o babaca do Niall era rápido como uma bala. A sorveteria ficava a quatro quarteirões e nós já estávamos no final do segundo. Eu via os cabelos despenteados e espetados dele balançando com o vento e tinha certeza de que ele usava aquele sorriso de louco no rosto. Ele sempre ficava com cara de louco quando corria, era engraçado. Meus pés estavam doloridos, tamanha a força com que batiam no chão frio e esburacado. Algumas pedrinhas pontiagudas dificultaram as coisas para mim. Quando percebi, Niall já havia chegado.- Você paga, perdedora! Vou escolher o mais caro que tiver – ele pegou o cardápio que estava em cima de uma das mesas, passando os olhos por ele.- Pago nada, não valeu! – apoiei as mãos nos joelhos, ofegando.- Claro que valeu, eu cheguei primeiro. Vou querer um sundae duplo de chocolate com chantilly e calda de cereja. Eu me sentei na cadeira ainda sentindo meu peito arfar.- Não valeu, você saiu primeiro – fiz bico. Apoiei um dos meus pés no joelho, avaliando a sola dele. Estava vermelha e cheia de buraquinhos.- Você veio descalça? – Niall se sentou ao meu lado.- Eu fui pra sua casa de chinelo. Não ia correr de chinelo.- Por que não pegou um tênis meu, sua burrinha?- Porque eu ia perder tempo, seu burrão! – disse como se fosse óbvio.- Parece feio – ele analisava.- Só está marcado.- Está doendo?- Bastante – torci um canto da boca em sinal de dor. Niall passou os dedos cuidadosamente em meu pé, limpando a sujeira.- Daqui a pouco passa. Me diz o sabor do seu sorvete que eu pego.Parei pra pensar. Minha testa se franziu quando percebi que havíamos esquecido o mais importante.- Você trouxe dinheiro?- Não, já sabia que você iria perder.- Ai, seu babaca, eu também não trouxe!Ele arregalou os olhos.- Então eu não vou tomar meu sundae duplo de graça? – disparou com incredulidade. Achei aquilo divertido.- Se deu mal, bobão.- Você fez tudo de caso pensado, tenho certeza. – Niall disse emburrado, sentando-se novamente. Eu rolei os olhos. Ficamos em silêncio por um momento. – Vamos embora, então.- Pode esperar mais um pouco? Meu pé está doendo – pedi enquanto o massageava. Ele chegou sua cadeira mais perto da minha e tirou seus tênis. Eu estranhei. Niall pegou minha perna com cuidado e a colocou em cima das suas. Tirou um dos pares do chão e, delicadamente, o calçou em meu pé. Eu tive vontade impedi-lo, mas não consegui, e apenas fiquei o olhando com um pequeno sorriso nos lábios. Ele trocou de pé. Senti alguma coisa crescer dentro de mim e isso fez cócegas no meu coração. Niall era meu melhor amigo em todo o mundo e eu o adorava. Ele era um babaca, mas erameu babaca.- Pronto, isso vai ajudar – ele me sorriu de um jeito fofo.- Desculpe não poder comprar seu sorvete. Prometo que te dou um depois.- Não tem problema, eu nem queria tanto assim.Eu sorri. Sabia que ele estava mentindo, já que era um eterno esfomeado. Ele me sorriu de volta e me ajudou a levantar. Comecei a rir quando dei o primeiro passo e vi que tinha muito tênis para pouco pé. Niall colocou as mãos nos bolsos do jeans surrado e nós voltamos vagarosamente para casa.- Posso trocar meu sorvete por um beijo?- Nem pensar, seu babaca. 
~*~

Eu estava lendo um livro em um banco mais afastado na escola. Na verdade, eu estava matando aula de educação física, nossa última do dia. Conseguia ouvir um barulho de pessoas falando ao mesmo tempo, mas ele estava distante o suficiente para não atrapalhar minha concentração. Infelizmente, Zayn não.- Seu Apelido! Seu Apelido! Graças a Deus eu te encontrei! – ele apareceu exaltado e com a respiração falha. Fiquei assustada.- Nossa, o que aconteceu?- Temumabrigalánaquadra – suas palavras saíram emboladas e de uma só vez, e eu não entendi nada.- O quê?- Tem uma briga lá na quadra! – ele apontou a direção com o dedo, arqueando as sobrancelhas.- Ai, menino, eu lá quero saber de briga – respirei fundo. – Quero mais é que se matem, para deixarem de ser babacas.Zayn balançou negativamente a cabeça, ficando ainda mais nervoso.- O Niall está no meio! Congelei. Meus olhos se arregalaram e senti meu queixo cair. Meu coração disparou. Joguei o livro de qualquer jeito no banco, levantei-me, e nós corremos.Havia uma roda em volta dos dois, mas não tinha muita gente. Vi Niall levar um soco e se desequilibrar, levando as duas mãos ao rosto. Quando ele se virou para encarar o adversário, eu estremeci. Seus olhos transbordavam ódio de um jeito que eu nunca tinha visto. Ele correu para revidar, mas o outro garoto segurou seu punho e o jogou no chão. Não consegui ver o rosto dele, mas ele era forte, bem forte. Aquelas costas não me eram estranhas. Ele fez menção em se sentar em cima de Niall, com certeza para socá-lo, mas Niall foi mais rápido e o chutou com força nas partes íntimas. O garoto soltou um grito e caiu de joelhos no chão, se contorcendo. Eu aproveitei o momento para correr até Niall, que já estava de pé e se preparava para chutá-lo novamente, e o segurar pelos braços.- Você perdeu a noção das coisas, seu idiota? – gritei. Ele me olhou assustado.- Me solte, Seu Nome, eu vou acabar com esse infeliz – ele foi para cima do menino, que gemia no chão, mas eu entrei na sua frente.- Já chega, Niall, você não vai acabar com ninguém!- Não vai mesmo – uma voz masculina e grossa soou atrás da gente. Me virei. O diretor estava parado a poucos centímetros e olhava de Niall para o outro menino com seriedade. As pessoas desfizeram a roda rapidinho. – Eu quero o senhor na minha sala agora – ele apontou para Niall e se ajoelhou ao lado do menino, fazendo sinal para um dos faxineiros se aproximar. Foi então que vi seu rosto. Rony Blake. Perigo, para os íntimos. Era o garoto mais valentão do colégio e nem mesmo os professores gostavam dele. Sua ficha criminal era extensa e, não por coincidência, era o arqui-inimigo deNiall. – Ajude-o a andar até a enfermaria, por favor – olhou novamente para Niall e saiu apressado. - Por que você fez isso, seu babaca? – o repreendi. Ele me olhou sem uma expressão definida e suspirou, esbarrando fortemente em meu ombro ao sair de perto de mim. Fiquei o olhando se afastar, confusa, pensando o que diabos tinha sido aquilo.
Longos minutos se passaram desde que Niall entrara na diretoria. Eu estava sentada no banco de madeira, encostado à parede dela, abraçando minhas pernas. Não conseguia escutar nada além das batidas apreensivas de meu coração. Eu queria estar ao lado dele e saber o que tinha acontecido. Niall era briguento, mas não saia chutando as partes íntimas das pessoas sem ter um motivo muito bom, disso eu tinha total certeza. E, conhecendo Perigo, eu sabia quem tinha começado. - Niall, até que enfim, eu estava super preocupada! O que aconteceu? – disparei assim que o vi sair pela porta. Ele tinha uma expressão séria e passou apressado por mim sem ao menos me olhar. Coloquei minha mochila no ombro e peguei a dele (ele a havia esquecido na quadra), correndo para alcançá-lo. – Niall, da pra falar comigo, pelo amor de Deus? – ele me ignorou. – Niall! – segurei com força em seu braço, puxando-o sem delicadeza.- Dá o fora, Seu Nome, me deixa em paz! Sua idiota – as palavras saíram ríspidas e eu levei um pequeno susto com isso. Ele me olhava com frieza e uma pontada atravessou meu peito. Um nó se formou em minha garganta. - O que eu te fiz?- Nada, e esse é o problema! Até quando eu te defendo, eu não passo de um babaca pra você. Eu sou só um babaca pra você.- O quê? Não! – comecei a me desesperar. – Você não é um babaca, você é meu melhor amigo, Niall. Eu adoro você.A expressão dele de repente se suavizou e nós ficamos em silêncio por alguns segundos. Senti minhas bochechas esquentarem. Era a primeira vez que eu dizia isso.- Me desculpe – sussurrou. Ele parecia arrependido. Eu larguei as mochilas e o abracei. – Eu também adoro você.- O que aconteceu? – afastei o rosto para olhá-lo. Ele tinha um corte pequeno no canto da boca.- Aquele filho da mãe passou dos limites.- Ele te ofendeu?- Não – franzi o cenho. – Ele te ofendeu.- O quê?- Ele te chamou de vadiazinha e eu perdi a cabeça. Não admito que ninguém fale essas coisas de você – ele disse meio envergonhado, desviando o olhar. Reprimi um sorriso.- Ah, Niall, você não deveria ter brigado com aquele idiota daquele jeito.- Eu sei, mas meu sangue subiu e eu não consegui não dar um soco nas fuças dele – Niall fechou uma das mãos em punho, nocauteando o ar. Achei graça. - Ele não vale a pena. Promete que não vai mais perder a cabeça?- É só ele não falar de você.Dessa vez eu sorri abertamente. Niall deu um sorriso de lado e se abaixou para pegar sua mochila. Fiz o mesmo. - Sério, eu não quero mais te ver assim, machucado.- Certamente não verá pelos próximos três dias.- Como assim?- Fui suspenso.Suspirei.- Bem feito – ele me olhou atravessado e eu comecei a rir. Nós andamos em direção à saída e não pude deixar de completar minha frase com meu xingamento favorito. – Seu babaca. 
~*~

Saí correndo escada acima assim que mamãe me deixou na escola. A mochila pesava em minhas costas, fazendo meus ombros doerem, mas eu não me importava. Apenas corria alegremente pelos corredores como se fosse a única pessoa ali. Quase tropecei nos meus próprios pés ao chegar à sala. Niall estava de pé chutando uma bolinha de papel com Josh.- Feliz aniversário, seu bobão! – eu o abracei apertado, quase o sufocando. Ele riu, me abraçando de volta.- Obrigado, bobona. - Oi, Josh.- Oi nada, você chutou minha bola longe!Rolei os olhos. Ele era outro babaca. Procurei pela mochila de Niall e me sentei na carteira logo atrás. Os dois logo se juntaram a mim.- Vai à minha festa hoje à noite, né? – Niall perguntou com os olhos brilhando.- É claro que vou.- Vai ter bastante comida, não é mesmo? – Josh também tinha os olhos brilhando.- Minha mãe comprou salgadinho e fez um monte de doces. - Eu estarei lá!- Meu Deus, vocês são dois mortos de fome – ri. O professor entrou na sala.- Comprou o meu presente, sua bobona? – Niall sussurrou. - Quem disse que eu vou te dar presente? – disse fingindo indiferença. Ele me olhou com os olhos semicerrados e sorriu de lado.- Eu sei que você vai. O professor nos deu bom dia e começou a falar. A sala ficou em silêncio por quase uma hora. Eu já não estava mais aguentando ficar com os olhos abertos quando escutei alguma coisa cair em minha carteira, fazendo um pequeno barulhinho. Passei os olhos atentamente pelo local e vi um pedacinho de papel cuidadosamente dobrado. Só poderia ser do Niall. Peguei e abri. 
Me dá um beijo de presente? 
Senti meu corpo esquentar e um leve desconforto se instalar em mim. Mais uma vez, isso fez cócegas em meu coração. Eu não sabia por que ele insistia tanto nesse negócio de beijo. Talvez fosse apenas para me irritar, mas, se fosse, não era exatamente isso o que estava acontecendo. Mordi meu lábio inferior quando, por um momento, eu considerei aquilo. Peguei meu lápis e respondi.
Vou pensar no seu caso. 
Cutuquei-o pelas costas e ele fingiu se espreguiçar, colocando as mãos por trás da cabeça. Depositei rapidamente o bilhetinho em uma delas. Em menos de trinta segundos, ele estava em minha mesa novamente.
Já pensou? 
Ri baixinho, balançando a cabeça.
Tenta mais tarde, seu babaca. 
Cutuquei-o novamente e o ritual se repetiu. Ouvi-o rir baixinho também. As aulas seguintes passaram com metade da turma dormindo, nenhum novo bilhetinho e eu não conseguindo tirar os olhos dos cabelos bagunçados da nuca do menino que estava sentado à minha frente.
O nosso último sinal do dia tocou. Guardei meus materiais na mochila e esperei até que Niall terminasse de fazer o mesmo para sairmos da sala. Josh já havia sumido de vista junto ao Zayn, que chegou uma aula atrasado. Ele tinha desmaiado depois de tirar sangue. Pobre Zayn. - Seu Apelido, vamos sair pelo portão dos fundos? – Niall perguntou ao ver a multidão que havia ao redor do portão principal. Eu concordei com a cabeça. Nós sempre usávamos a saída atrás do campo de futebol quando não tínhamos paciência para nos enfiar no meio da multidão. Era melhor atravessar o colégio inteiro e sair sossegado. Nós fizemos todo o caminho em silêncio. Eu segurava as alças da mochila com as duas mãos, que suavam frio. Estava difícil tirar as palavras do bilhetinho de dentro da cabeça. Droga, o que estava acontecendo comigo? - Quer chegar mais cedo lá em casa pra gente jogar videogame? Eu deixo você comer um brigadeiro antes da festa – Niall disse com a voz doce, me fazendo rir.- Deixa eu comer dois? – ele me olhou divertido. - Depende.Senti minhas bochechas esquentarem e olhei para frente. Minha voz parecia presa à garganta.- Depende do quê?- Ei, marica.Ouvimos uma voz conhecida gritar. Niall e eu nos viramos simultaneamente, vendo a figura sinistra de Rony se aproximar. Ele tinha uma expressão séria no rosto. Eu olhei ao redor e estremeci ao notar que estávamos completamente sozinhos no gramado.- Niall, vamos embora – pedi baixinho, segurando no braço dele. Ele concordou com a cabeça.- Olha só, se não é a sua vadiazinha...- Vadiazinha é a sua mãe! – Niall rebateu, juntando as sobrancelhas e dando um passo até ele. Eu o impedi.- Não faça isso, Niall, por favor.Perigo apressou os passos.- Eu tenho duas coisas pra você, mané. A primeira é pelo seu aniversário – dizendo isso, ele deu um soco no rosto de Niall, que se desequilibrou sem cair. Levei as duas mãos à boca.- Para com isso, Perigo!Niall arremessou a mochila no chão e se colocou em posição de ataque. Eu procurava por alguém desesperadamente.- E a segunda é pelo chute que você me deu.De repente meus olhos não conseguiram mais se mover. Eles ficaram presos ao objeto brilhante e metálico na mão de Perigo. Meu corpo estremeceu e perdeu os movimentos. Eu não consegui respirar. Com um movimento rápido, ele enfiou a lâmina no estômago de Niall.Eu soltei um grito desesperado. Os olhos de Niall se arregalaram e sua boca se abriu. Seu corpo se curvou quando Perigo retirou a faca e o ouvi soltar um gemido abafado ao ser novamente esfaqueado. Niall levou as mãos até os cortes e caiu de joelhos. Eu corri até ele e o abracei, sentindo as lágrimas quentes escorrerem em meu rosto. Meu coração parecia querer saltar do peito. Perigo tinha fugido.- Niall, fala comigo! Niall! O corpo dele ficou pesado e eu o deitei. Seus dedos estavam cobertos de sangue e eu levei minhas mãos até os ferimentos numa tentativa inútil de estancá-los. O sangue não parava de escorrer. O desespero tomou conta de mim e eu não sabia o que fazer para ajudá-lo. Niall gemia de dor e a única coisa que eu via eram as grossas lágrimas inundando meus olhos. - Socorro! Alguém me ajuda... Por favor, alguém me ajuda! – eu gritei com toda a força que existia em meus pulmões, e continuei gritando até sentir minha garganta doer. – Niall, fica comigo, por favor... fica comigo, meu menino... – eu passei os dedos ensanguentados pelo rosto agora pálido dele. Ele tentou falar, mas tudo o que fez foi tossir sangue. - Minha Nossa Senhora!Virei meu rosto. Um funcionário estava parado a alguns metros da gente, completamente assustado. Ele tirou o celular do bolso e discou alguns números, correndo até nós ao terminar de falar.- Meu amigo foi esfaqueado – falei entre o choro. Ele pegou Niall no colo com cuidado e nós corremos até a enfermaria. - Jesus amado! – a enfermeira levou as mãos à boca ao ver todo aquele sangue. Eu soluçava sem parar. O funcionário deitou-o na maca e a mulher começou imediatamente seu trabalho. Em pouco tempo, o diretor chegou.- Meu Deus, o que aconteceu? - Foi o Perigo, foi ele quem machucou meu amigo! – gritei. O diretor segurou delicadamente em meus ombros e se agachou. - Seu Nome, se acalme. Me conte, o que aconteceu com o Niall?Eu limpei meus olhos, mas as lágrimas continuavam a cair.- O Perigo o esfaqueou duas vezes e saiu correndo.Não aguentei. Meus joelhos vacilaram e eu caí, abraçando com força o diretor. Segundos depois, dois homens vestidos de branco entraram na sala e carregaram Niall para a ambulância. Eu tentei ir com eles, mas o diretor me impediu.- Eu vou ligar para os pais dele e para os seus e nós vamos até o hospital, tudo bem?Fiz que sim com a cabeça, tentando controlar o choro. A ideia de perder Niall era insuportável para mim. Ele tinha que viver... Aquele babaca tinha que viver. Corri para abraçar a mamãe assim que ela chegou ao hospital juntamente com os pais de Niall.- O Niall, mamãe, o Niall... – ela me abraçou apertado e então eu voltei a chorar.- Eu sei, meu amor, ele vai ficar bem. Vai ficar tudo bem.Notei pela voz dela que ela chorava também. Papai estava sentado em um banco ao lado do pai de Niall. Ele havia entrado em cirurgia há alguns minutos. A mamãe dele se sentou ao meu lado e eu me afastei da minha para abraçá-la. Nós soluçamos juntas até que não tivéssemos mais forças para chorar. 
Algumas horas se passaram. Eu estava deitada no banco e olhava fixamente para o chão. Meus pais estavam no banco da frente dando força para os pais de Niall, assim como o diretor. Comecei a pensar em tudo o que já havíamos passado juntos. Seria extremamente injusto se não pudéssemos repetir. Esse pensamento apertou meu coração e uma lágrima solitária escorreu. - Vocês são os pais do Niall? – uma voz masculina perguntou. Eu me sentei no mesmo instante. - Sim – o pai dele respondeu. O médico soltou um suspiro longo e pesado.- Ele teve duas perfurações graves. Uma delas atingiu uma artéria. Ele perdeu muito sangue. Nós fizemos tudo o que podíamos – a mãe dele levou uma das mãos à boca e voltou a chorar. Eu perdi o chão. – Eu sinto muito. Minha cabeça rodou e senti meu corpo flutuar. Era como se as coisas tivessem ficado distantes e nada daquilo fosse real. Eu não conseguia acreditar que meu melhor amigo estivesse... Oh, Deus, não, não podia ser... Isso não era real... Não podia ser, não podia ser...Saí correndo em direção à sala de cirurgia. Eu não sabia onde era, mas eu a encontraria. Empurrei algumas portas com força, sentindo um misto de dor, raiva, ódio e profunda tristeza. Algumas pessoas tentaram me segurar, mas eu estava agitada e determinada demais para deixá-las. Corri até o final de um corredor e, à esquerda, vi uma porta branca. Corri até ela e a abri. A gente nunca sabe como reagir diante a morte até que ela te obrigue a isso. A gente não espera por ela. E não aceita quando ela vem. Eu não soube o que fazer quando o vi deitado naquela mesa, completamente sem vida. Eu apenas senti meu mundo desabar junto às minhas lágrimas. Foi difícil dar um passo. Mas, quando dei, foi difícil parar.Era como se ele estivesse dormindo. Meus dedos tocaram sua pele ainda quente e eu fechei os meus olhos com força, apenas a sentindo. Por que isso tem de acontecer? Como uma pessoa está aqui em um minuto e no minuto seguinte não está mais? Por que Deus o havia tirado de mim, por quê? Abri meus olhos. Uma lágrima caiu na bochecha dele. Isso não estava certo. Ele não poderia estar morto, não poderia. Senti meu sangue esquentar e meu peito subir e descer com mais força. Um nó fechou minha garganta. Em um ato de fúria, empurrei a bandeja de instrumentos médicos no chão. Em um de desespero, subi na mesa, deixando Niall entre minhas pernas e segurando com força em seus ombros, o chacoalhando.-Acorda, seu idiota, acorda, acorda! – gritei com toda a força que tinha. – Levanta dessa mesa, Niall, levanta, você não pode me deixar, não pode morrer, levanta daí, seu babaca, seu idiota, acorda! Senti dois braços envolverem minha cintura e me puxarem. Eu comecei a gritar em protesto e a chutar o ar com os pés enquanto era levada para fora da sala. Ouvi algumas vozes masculinas, mas não me atentei a elas. Como poderia? Meu rosto estava completamente molhado. Quando fui colocada no chão, saí correndo para a mesa novamente. Alguém tentou me pegar, mas dei socos e chutes até que conseguisse me libertar. Com um pulo eu me deitei em cima de Niall, abraçando-o como podia e chorando sem nenhuma vergonha. Eu sabia que tinha gente me olhando, mas eu não me importei. Ninguém tentou me tirar de lá. Eu puxava os cabelos dele com força, chorando como nunca havia chorado em toda a minha vida. A dor que esmagava meu peito era horrível e eu cheguei a pensar que fosse morrer também. Não sei por quanto tempo fiquei assim, mas quando levantei minha cabeça, já mais calma, não havia ninguém lá. Passei um tempo olhando seu rosto. Meu coração falhou quando lembrei que dia era hoje. Era o dia do aniversário dele. Isso era tão injusto... Me ajeitei em seu corpo. Deixei minha cabeça cair em seu peito imóvel e fiquei assim por alguns minutos. Eu chorei em silêncio até sentir uma mão encostar suavemente em minhas costas.- Eu sinto muito, meu amor – a voz doce de papai entrou em meus ouvidos. Levantei a cabeça para olhá-lo.- Por que, papai, por que ele? Ele não podia morrer, não podia...- Eu não sei, Seu Apelido, mas você não pode ficar aqui.- Eu não quero ir embora.Ele suspirou. Seus olhos estavam avermelhados.- Eu sei, mas você precisa. Eles não vão deixá-lo aqui por muito tempo.- Eu quero ir com ele, papai. - Não diga isso, meu amor – eu me levantei e o abracei. Papai me tirou de cima da mesa e se agachou. – Sabe de uma coisa? Não importa onde você esteja, o Niall estará sempre com você – concordei com a cabeça. Nada daquilo ainda fazia sentido para mim. Papai me pegou pela mão e nós começamos a caminhar para fora da sala. Quando chegamos à porta, eu parei.
Me dá um beijo de presente?
- Papai, você pode me esperar lá fora? Eu prometo que não demoro.Ele me deu um olhar triste e o estendeu a Niall, me respondendo com um sorriso. Eu encostei a porta assim que ele saiu e andei de volta até a mesa. Só havia uma última coisa que eu poderia fazer. Eu devia isso a ele.Na pontinha dos pés, levei meu rosto até o dele. Meus dedos acariciaram seus cabelos macios e eu fechei os olhos. Meus lábios roçaram levemente os dele e, então, eu o beijei.
- Eu te amo, seu babaca. 

Imagine Niall H

Branco. 
Era tudo o que meus olhos podiam ver. 
Minha respiração era fraca. Não porque eu não pudesse respirar. Eu não queria respirar. 
Porque respirar? Porque viver aquele dia? Novamente, a dor me inundava, como se eu estivesse prestes a reviver tudo. 
Como se meu pesadelo, sempre o mesmo, fosse se tornar real a qualquer momento. 
Não pela primeira vez. E muito menos pela última. 
Uma batida na porta arrancou meus olhos da grossa camada de neve que cobria toda a paisagem do lado de fora de casa. Levei alguns segundos para me desligar de meus pensamentos e saí de perto da janela, caminhando em passos curtos e lentos até a entrada de minha residência. Fechei os olhos brevemente, já sabendo quem encontraria do outro lado da madeira escura, e girei a maçaneta fria. 
Todos os anos eram sempre iguais. 
- Oi, Seu apelido – Sua melhor amiga, minha irmã mais nova, me cumprimentou com sua voz aconchegante. Por mais que seus lábios sorrissem para mim, seus olhos não faziam o mesmo. Porque ela sabia, assim como eu. 
Todos os anos eram sempre iguais. 
- Oi, Apelido da sua amiga – murmurei de volta, e vendo que ela estendera os braços em minha direção, retribuí seu abraço carinhoso. 
- Como você está? – ela perguntou em meio aos meus cabelos, e eu me afastei, dando passagem para que ela entrasse. 
- Como sempre – sorri fraco, ajudando-a a pendurar seu casaco no mancebo próximo à porta – Sobrevivendo. 
Sua melhor amiga soltou um suspiro baixo, olhando-me com desolação, e eu me detive a observar seu belo vestido vermelho. Um corpete muito bonito moldava sua cintura e realçava seu busto, enquanto a saia, que se estendia até a metade de suas coxas, era levemente rodada, dando a ela um ar muito gracioso e sedutor ao mesmo tempo. Os belos sapatos pretos, bastante altos, combinavam muito bem com a fina fita preta que envolvia seu quadril, finalizada num laço discreto do lado esquerdo de seu corpo. 
Ela estava linda. Como sempre. 
- Você sabe o que eu vim fazer aqui – ela disse, com a voz alta o suficiente para que eu a ouvisse, porém alguém um pouco mais distante não o conseguiria – Eu não vou desistir dessa vez. 
Assim como ela, baixei meu olhar até o chão, sem saber o que dizer. Eu sabia o que ela queria, mas ela parecia não entender o quanto estava pedindo. Eu queria muito poder atender à sua vontade, como sempre me dediquei a fazer, afinal, ela era minha única irmã. Mas ela precisava entender que eu estava passando por uma fase muito difícil de minha vida, e que eu precisava de um tempo para me reconstruir. 
Quanto? Talvez todo o que me restasse. 
- Sua melhor amiga... – murmurei, sem forças para ser mais enérgica e impor meu comportamento fechado - Por favor. Não me force a te dizer não outra vez. 
Ficamos alguns segundos em silêncio, sem coragem de dizer mais nada, e eu ergui meus olhos até encontrar os dela. Suas íris me encaravam com intensidade de sentimentos, todos muito conflituosos. Parecia que, finalmente, ela sabia o quanto estava pedindo. 
- Seu apelido... - ela chamou, com a voz triste, aproximando-se de mim e segurando minhas mãos com delicadeza – Já faz tanto tempo... 
- Você sabe que não – fechei os olhos, sentindo-os encherem-se de água subitamente ao verem os dela cheios de pena – Você sabe que o tempo não passou para mim. 

Flashback – cinco anos atrás 

- O que você acha? 
Surgi na porta do banheiro, vendo-o parar de secar os cabelos curtos com a toalha para me olhar. Ele me fitou de cima a baixo, e ao fazer o caminho inverso, cerrou os olhos, fixos na barra de meu vestido. Mau sinal. 
- Não acha que está um pouco curto? – ele resmungou após alguns segundos de silêncio, olhando em meus olhos, porém sem desfazer a cara enciumada – Pra sua informação, essas pernas são minhas. 
- E você acha que eu não sei disso? – sorri, lançando-lhe um olhar malicioso e vendo seus lábios cederem levemente, sorrindo junto comigo – Assim como todos os outros convidados sabem. 
- Nunca é demais refrescar a memória deles – Niall insistiu, franzindo um pouco a testa – Não pareceu tão curto quando você experimentou na loja. 
- Talvez porque ele não seja tão curto quanto seus olhos estão julgando agora – ergui as sobrancelhas, pondo as mãos na cintura de um jeito decidido. 
Niall bufou, fazendo com que seus ombros se curvassem, e me analisou mais um pouco. Não pude deixar de notar que seus olhos demoraram a desgrudar de meu colo completamente à mostra devido ao coque desengonçado que eu havia feito, juntamente com o vestido tomara-que-caia vinho que eu usava. Meu sorriso se alargou, e para disfarçar, mordi meu lábio inferior, a tempo de vê-lo me encarar com um ar derrotado. 
- Você é linda, meu amor – ele sorriu, completamente derretido, me fazendo soltar um risinho lisonjeado – E conseguiu ficar ainda mais linda com esse vestido. 
Meu rosto ficou da mesma cor do tecido naquele momento, mas eu já estava acostumada com a leve queimação em minhas bochechas ao receber elogios dele. Era sempre assim. 
- Nossa... Depois dessa, eu não tenho mais do que duvidar – falei, com um sorriso levemente convencido – Sou a mulher mais gata do universo! 
- Uh, adoro quando minha mulher fica confiante – Niall murmurou com uma voz sexy, fazendo uma cara de tesão que me fez rir e se aproximando de mim. Ele me abraçou pela cintura, unindo seu tronco nu ao meu corpo e mordendo meu ombro de leve, o que me fez apertar seus bíceps e me arrepiar inteira. 
- E eu adoro quando você fica tarado – sussurrei, entrando na brincadeira e sentindo suas mãos subirem por minha cintura. 
- Difícil não ficar tarado com uma esposa sexy dessas – ele provocou baixinho, mordendo meu lóbulo enquanto eu deslizava minhas mãos por seu peito até envolver seu pescoço com meus braços – E você, só pra ajudar, tá sempre disposta... 
- Difícil não estar disposta com um marido sexy desses – retruquei, olhando diretamente em seus olhos quando ele uniu nossas testas. Niall deu um sorriso mal intencionado, retribuindo meu olhar com intensidade, e sem demora, uniu seus lábios macios aos meus. 
Embrenhei meus dedos em seus cabelos úmidos ao permitir que o beijo se aprofundasse, sentindo as mãos dele pressionarem meu tronco contra o seu. O perfume de seu sabonete, misturado ao desodorante masculino que ele havia acabado de passar, me fez gemer baixinho conforme adentrava minhas narinas, e ele sorriu, massageando sensualmente a pele exposta de minhas costas. Mordi seu lábio inferior com um pouco de força, fincando minhas unhas em sua nuca e fazendo com que elas descessem por seus ombros e braços. Niall soltou um gemido quase inaudível, e eu abri um pouco meus olhos, a tempo de ver seus lábios se repuxarem num sorriso malicioso. 
- Nós vamos nos atrasar – ele soprou, dedilhando toda a extensão de minhas costas rapidamente enquanto cambaleávamos para trás sem sequer nos darmos conta disso. 
- Eu sei – assenti de leve, sentindo minhas costas colidirem com uma das paredes do quarto, e logo em seguida o corpo quente dele me prensou contra ela. Suas coxas cobertas pela toalha de banho se misturaram às minhas, e uma de suas mãos deslizou até atingir minha perna. 
- Ótimo – ele sorriu, sem tirar os olhos de minha boca, e voltou a me beijar, com ainda mais desejo. Segurei seu rosto com as duas mãos, sentindo seus dedos apertarem minha coxa e subirem até minha cintura, trazendo meu vestido consigo. Quem ligava para atrasos quando se estava no maior amasso com um homem como Niall Horan? 
Alguns minutos de provocação se passaram, e quando eu estava caprichando nos beijos em seu pescoço e a coisa estava realmente ficando séria, o celular de Niall começou a tocar. Afastei minha boca da pele apetitosa de seu pescoço, encostando minha cabeça na parede e vendo-o fechar lentamente os olhos, nitidamente incomodado. Senti muita pena de quem nos havia interrompido. E o pior de tudo, eu tinha praticamente certeza de que conhecia o infeliz que nos havia interrompido. 
- Alguém vai ficar surdo hoje – ele sorriu, cínico, e por mais frustrada que estivesse, prendi o riso diante de sua ameaça. Niall se afastou, indo na direção do celular, e eu me recompus, ajeitando meu vestido e entrando no banheiro para acalmar os ânimos. Me olhei no espelho, ouvindo a voz de meu marido dizendo palavras nada agradáveis ao telefone, e lavei rapidamente o rosto, sentindo-me extremamente quente. Penteei meus cabelos, deixando-os caídos sobre meus ombros em suaves ondas, e comecei a me maquiar. 
- Deixe-me adivinhar... Zayn ? – perguntei, fazendo careta ao ver Niall entrar no banheiro alguns minutos depois, já usando sua calça jeans, porém com o zíper ainda aberto. 
- Aquele cara não tem vida sexual ativa, sério – ele assentiu, revirando os olhos e quase me fazendo borrar o rímel de tanto rir ao fazer certos gestos obscenos e homossexuais para o amigo – Todo ano é a mesma coisa: fica me apressando, sendo que ninguém chegou na festa ainda. Que raiva! 
- É que ele te ama, e tem ciúmes de mim – expliquei, finalmente conseguindo alongar e curvar meus cílios sem desastres – Então ele resolve ligar e interromper nossos melhores momentos. 
- Desse jeito, não vamos ter filhos – Niall riu, pegando sua escova de dente e a pasta enquanto eu escolhia um gloss - E a culpa vai ser toda dele. 
- Credo! – choraminguei, lançando um olhar cheio de censura para seu reflexo no espelho e vendo-o começar sua higiene bucal com um sorrisinho divertido – Não diga isso, eu quero muito ter filhos seus. 
- Eu também quero filhos, não se preocupe – ele falou, com certa dificuldade devido à espuma em sua boca, e me puxou pela cintura para perto de si – A gente só precisa achar uma namorada pro Zayn e aí teremos todo o tempo do mundo pra fazer bebês. 
- Isso não vai ser problema – pisquei, gostando da idéia – Conheço alguém que pode nos ajudar com isso. 
- Jura? – ele perguntou, erguendo as sobrancelhas em surpresa, e eu assenti com um sorrisinho esperto – Quem? 
- Minha querida irmã – respondi, com um olhar sapeca – Ela anda falando bastante nele ultimamente. 
- A Sua melhor amiga? – Niall perguntou, sem acreditar, e eu soltei um risinho maldoso enquanto me virava para o espelho - Por essa eu não esperava. 
- Pois é, nem eu – falei, finalizando minha maquiagem suave com o gloss transparente – Mas é verdade. E juntar os dois nos favoreceria muito. 
- Nem me fale! – Niall concordou, erguendo as mãos para o céu e logo em seguida soltando uma tentativa de agudo que me lembrou vagamente um coral. 
- Termina logo de se arrumar, Noviça Rebelde – pedi com um risinho, dando um belo tapa numa de minhas partes favoritas de seu corpo: a bunda – Nós temos uma festa para ir. 
Saí do banheiro, indo até meus sapatos vermelhos e calçando-os sem demora. Caminhei até o grande espelho que havia em nosso quarto, e enquanto colocava minhas argolas prateadas e um anel, vi Niall se sentar sobre a cama para calçar seus tênis. 
- Branca ou vermelha? – ele perguntou enquanto amarrava os cadarços, referindo-se à camiseta que deveria usar, e eu levei alguns segundos para decidir. 
- Branca – respondi, borrifando um pouco de meu perfume em meu pescoço e pulsos – Todo mundo sempre vai de vermelho, vai ser divertido fugir à regra. 
- Tem razão – ele riu, indo até o closet e pegando a camisa que havíamos escolhido – Com essa minha beleza colossal e de branco, chamar a atenção vai ser moleza. 
- Metido – falei, revirando os olhos e logo em seguida vendo-o dar um sorriso sapeca enquanto passava o perfume que eu havia lhe dado de presente de Natal. Não que ele fosse fedido – pelo contrário! -, mas não encarávamos o presente dessa maneira. Eu gostava de ver meu marido (ainda mais) cheiroso, havia algum mal nisso? 
- Tô pronto – Niall disse, ajeitando rapidamente seu cabelo na frente do espelho, e eu peguei minha bolsa de cima da cama, já com todos os objetos necessários dentro dela. 
- Então vamos, moça! – reclamei, rindo enquanto tentava empurrá-lo da frente do espelho para a porta do quarto, sem o menor sucesso. Ele era muito mais forte que eu. 
- Eu sou moça, é? – ele resmungou, me pegando no colo num movimento rápido e enterrando seu rosto em meu pescoço, dando leves mordidinhas em minha pele e me fazendo rir – Quero ver a moça quando a gente voltar dessa festa! 
- Hm, tô vendo que eu vou gostar de voltar pra casa! – gargalhei, me encolhendo toda em seu colo devido às cócegas que ele me fazia conforme seguíamos em direção à garagem. 

- Oi, bicha – Niall cumprimentou o amigo, assim que ele nos atendeu à porta de sua casa – Cheguei, tá feliz agora? 
- Vai se ferrar, Horan – Zayn resmungou, dando um breve abraço em meu marido e logo em seguida se virando para mim com uma expressão super alegre – Oi, gata! Feliz Natal! 
- Feliz Natal, gato! – pisquei, abraçando-o, e ao ver Niall nos fuzilar com o olhar, mandei-lhe um beijinho meigo. Ele cerrou os olhos para mim, porém logo desarmou sua expressão ciumenta. 
- A casa é de vocês – Zayn sorriu, dando passagem para que entrássemos em sua casa. Percorremos a curta distância entre a porta e a sala, encontrando Sua melhor amiga, Harry e Louis em meio a alguns outros convidados, todos conhecidos nossos. Cumprimentamos os presentes com muita alegria, e Niall se sentou entre Sua melhor amiga e Louis, puxando-me para seu colo. 
- Eu vou pegar algumas cervejas, alguém quer? – Harry perguntou, levantando-se em meio à pequena confusão de pessoas no sofá, e metade delas levantou a mão, fazendo-o encolher os ombros em desânimo – Hm... Vou ver o que posso fazer. 
- Eu te ajudo – Louis se ofereceu, rindo, após cumprimentar Niall com um toque super quinta série, e logo se pôs de pé, indo com o amigo na direção da cozinha. 
- E aí, Apelido da sua amiga , como vão as coisas? – Niall perguntou, com um sorrisinho malicioso, e eu logo entendi do que se tratava – Algum pretendente à vista? 
- Não enche, Horan! – Sua melhor amiga fez bico, cruzando os braços e me olhando com certa timidez – Seu Nome, seu maridinho tá me pentelhando, manda ele parar? 
- Amor, seja mais discreto – sorri para ele, vendo-o mostrar a língua para mim, e logo me virei para minha irmã novamente – Mas e aí? Tá lançando algumas indiretas pra ele? 
- Você também? – ela exclamou, boquiaberta, fazendo Niall gargalhar e esconder o rosto em minhas costas – Mas que coisa, me deixem em paz! 
- Eu só quero que você satisfaça seus desejos, maninha! – reivindiquei, diminuindo subitamente meu tom de voz ao ver Zayn passar rapidamente perto de nós – E que desejos, hein... Mandou bem, você é das minhas. 
- Mandei, né? – Sua melhor amiga concordou, analisando Zayn de cima a baixo com os olhos cheios de cobiça, e eu ri baixinho de sua mudança repentina de postura. 
- Ei – ouvi Niall protestar, cutucando meu ombro com seu dedo indicador, e eu me virei para ele, já sabendo o que me esperava – Estou tendo uma crise de déficit de atenção aqui! 
- Awn, seu chato – falei, rindo de sua brincadeira e dando-lhe um selinho gostoso que o fez sorrir conforme o abraçava pelo pescoço – Você sabe que eu só tenho olhos pra um homem. 
- Será? Será mesmo? Tem certeza? – ele perguntou, fazendo cócegas em minha barriga e me fazendo cair num riso altíssimo. 
- Ai, meu Deus – Apelido da sua amiga revirou os olhos, levantando-se com a expressão entediada – Vou ajudar os meninos a trazer a cerveja. 
- Sua irmã tá precisando dar – Niall sussurrou, quando me recuperei da sessão de risos – Tô falando sério. 
- Eu sei – assenti, vendo-a caminhar até a cozinha e ser interrompida por Zayn , que a puxou para uma conversa com alguns colegas logo em seguida – E pelo jeito, ela vai conseguir isso logo. 
- Tomara, porque o Zayn tá precisando perder a virgindade – ele bufou, me fazendo rir baixinho. 
Algumas horas se passaram, nas quais mais gente chegou e se instalou pela casa. Zayn aumentou o volume da música, fazendo com que alguns se empolgassem (a maioria pela alegria inicial que o álcool causava), e outros fossem procurar quartos para se relacionarem mais intimamente. 
O mais curioso disso tudo foi que Sua melhor amiga e Zayn sumiram por uma meia hora durante esse período. Não precisei dizer nada; apenas lancei um olhar esperto para Niall, seguido de um sorriso discreto, e ele, também notando a ausência dos dois, retribuiu meu gesto. Será que enfim, estávamos livres das interrupções de Zayn ? 
- Galera... Tô indo – Harry comunicou, quando a maioria das pessoas presentes já estava desacordada – São duas e meia da manhã e eu ainda tenho que levar o Louis em casa. 
- Pensei que a gente fosse passar a noite juntos! – Louis exclamou, no maior estilo baitola, pondo as mãos na cintura e franzindo a testa – Odeio quando você não me assume! 
- Eu sempre soube – Niall cochichou em meu ouvido, aproveitando-se da proximidade de sua boca e aquela região de meu corpo. Ele estava encostado a uma parede (confesso, estávamos nos amassando naquele cantinho há alguns minutos atrás), e me abraçava por trás enquanto observávamos a cena homossexual. 
- Eu já desconfiava – sorri, vendo Harry agarrar Louis e os dois começarem a imitar cadelas no cio, o que foi bastante engraçado. 
- Feliz Natal, gente que ainda tá acordada – Louis sorriu, totalmente bêbado, acenando para meia dúzia de pessoas roncando no sofá enquantoZayn e Sua melhor amiga se beijavam com vigor. É, as coisas realmente haviam evoluído entre os dois naquela noite. 
- Tchau, meninos – respondi, mandando beijinhos para Harry e Louis enquanto Niall me imitava, entrando na onda gay – Tomem cuidado, hein! 
- Pode deixar – Harry sorriu, puxando Louis, que ainda acenava debilmente para o nada – Vem logo, cara! 
- Acho que tá na hora de retomarmos o que Zayn interrompeu antes de virmos – Niall sussurrou, beijando meu pescoço logo em seguida, e eu me arrepiei por inteiro – Com certeza ele não vai nos interromper hoje. 
Olhei para Zayn , que praticamente engolia (e era engolido por) minha irmã, e soltei um risinho divertido. Os dois combinavam muito, eu tinha que admitir. Combinavam tanto que eu nem conseguia sentir ciúme ao vê-lo cheio de mãos bobas com minha própria irmã. Ela já era bastante crescidinha para definir seus limites, e se estava deixando que ele agisse feito um polvo, devia no mínimo estar gostando. 
- Eu acho uma ótima idéia – me virei de frente para ele, envolvendo seu pescoço com meus braços, e lhe dei um beijo rápido antes de me afastar – Vamos lá, moça. 
- Vou te mostrar quem é a moça – ele ameaçou novamente, cerrando os olhos conforme eu o puxava pela sala até pegar minha bolsa. Mordi meu lábio inferior, provocando-o, e continuei guiando-o até a saída da casa, sem nem me dar ao trabalho de me despedir. Os únicos acordados naquele momento estavam ocupados demais para nos ouvir. 
Entramos no carro com certas dificuldades, já que Niall parecia disposto a tirar meu vestido no meio da rua. Com esforço, consegui me sentar no banco do carona ainda vestida, e respiramos fundo ao nos recostarmos em nossos assentos. Havia sido uma noite divertida, mas inegavelmente cansativa. 
- Você tá bem pra dirigir? – perguntei, vendo-o esfregar os olhos demoradamente, e ele assentiu com um sorrisinho – Prefere que eu dirija? 
- Imagina, tá tudo bem – ele negou, ligando o carro e logo iniciando o caminho até a nossa casa – Foi só um cansaço repentino, vai passar. 
Liguei o rádio por puro costume, e uma música do Queen estava tocando. Na mesma hora, aumentei o volume, provavelmente acordando boa parte dos moradores das ruas por onde passávamos, e comecei a cantar alto, sendo seguida por Niall. Eu fazia dancinhas idiotas, rindo loucamente enquanto ele tentava reproduzir a voz de Freddie Mercury sem muito sucesso. Parecíamos duas crianças com sérios problemas mentais. 
Até que algo fez a música parar. 
Muitos em meu lugar diriam que tudo aconteceu muito rápido. 
Mas eu não. Aqueles cinco segundos se arrastaram como cinco décadas para mim. 
Eu nunca imaginei que minha mente pudesse passar por momentos de tamanho pânico e desespero em um espaço tão curto de tempo. 
Senti um impacto muito forte vir da direção de Niall, e de repente seu corpo foi lançado contra o meu com força. Olhei em sua direção, assustada, e a visão que tive foi uma das mais marcantes de minha vida. 
Diria até que só não superou a que veio alguns segundos depois. 
Um outro carro estava prensado contra o nosso, e eu pude ver o choque nos olhos do motorista, arregalados e horrorizados. Minhas vias respiratórias se fecharam no mesmo instante, num reflexo involuntário a todo o pavor que me invadiu, e conforme a sensação de asfixia crescia vertiginosamente, percebi que nosso carro estava inclinado na direção oposta ao outro veículo. Tudo começou a girar ao meu redor... Por um segundo, cheguei a delirar, pensando que aquilo fosse fruto de meu pânico. 
Mas não era. Nosso carro estava capotando numa velocidade impressionante. 
Fechei meus olhos com força, abraçando instintivamente o corpo de Niall, já desacordado. Senti o carro capotar com violência mais duas vezes, causando-me ferimentos horrivelmente dolorosos em vários locais. Minhas pernas foram cruelmente prensadas em meio à lataria, e os estalos de meus ossos se partindo faziam meus olhos revirarem em suas órbitas. Pude sentir também o corpo de Niall sofrer vários danos conforme o carro se movia sem controle, até enfim ser contido por um poste. 
O vidro de minha janela foi estilhaçado ao colidir contra a superfície vertical de concreto, fazendo com que muitos cacos penetrassem a pele de meu rosto e braços, mas a dor agora mal parecia existir. Apenas abracei Niall com ainda mais força, tentando protegê-lo do novo impacto, porém foi inútil. Fui lançada contra seu corpo, batendo fortemente a cabeça no teto amassado do carro, que agora tocava o chão, e minha visão foi ficando gradativamente turva sem que eu sequer pudesse lutar contra a escuridão. Talvez pelo sangue quente que escorria por minha testa, talvez pela força da pancada, talvez pelos dois. 
A última coisa da qual me lembro foi ver Niall com os olhos abertos, encarando o nada. Com um enorme e grosso caco de vidro atravessado em sua garganta. 
Essa sim, foi a visão mais marcante de minha vida. 
Pois foi essa visão que marcou o fim dela. 

Fim do flashback 

Cinco anos. 
Cinco anos haviam se passado desde que ele havia me deixado. 
Cinco Natais haviam se passado... E aquela lembrança sempre retornava para me assombrar. 
Como seguir em frente? Como continuar vivendo sem ele? Como superar a perda de seu próprio coração e continuar vivendo? 
Não havia como. Era impossível. Acredite, eu já havia tentado. Obviamente, desisti assim que cheguei a tal conclusão. 
- É claro que o tempo passou... Ele sempre passa – Sua melhor amiga soprou, acariciando meu rosto, e só quando ela enxugou as lágrimas que rolavam por ele, percebi que estava realmente chorando – Olhe só para você... A cada dia mais magra, mais triste... Definhando aos poucos. Eu não posso deixar que você faça isso consigo mesma. 
- Ele levou tudo o que eu tinha, Sua melhor amiga... – falei, com a voz estrangulada, e por mais que eu tentasse, não conseguia erguer meu olhar até o dela – Menos eu. Ele não me levou junto com ele... Porque ele me deixou sozinha? 
- A culpa não é dele, Seu apelido – ela me abraçou novamente, e pelo tom de sua voz, soube que ela estava chorando junto comigo. Repousei meu queixo em seu ombro, respirando fundo como não fazia há algum tempo, e encarei o nada. O silêncio me ensurdecia, a ausência de respostas para as minhas perguntas me enlouquecia. Todas aquelas dúvidas ardiam sob minha pele, e ninguém parecia saber tirá-las de dentro de mim. Então eu apenas deixava que elas me queimassem, pouco a pouco me transformando em cinzas. 
Não duvidava nem um pouco de que eu já tivesse sido completamente devorada pela angústia e solidão. 
- Você sabe que pode contar conosco sempre – Sua melhor amiga fungou, afastando-se de mim e enxugando rapidamente suas lágrimas, voltando a segurar minhas mãos com carinho – Nós nunca vamos te abandonar, nunca mesmo. 
- Obrigada – sorri fraco, mesmo que aquilo me custasse alguns segundos de dor. Expressões de alegria não me eram mais familiares há algum tempo.
- Por favor... Aceite o nosso convite e vá para a festa comigo – ela implorou, olhando fundo em meus olhos, e eu não consegui desviá-los, por mais que tentasse – Faz tanto tempo que eles não te vêem... Os seus amigos sentem a sua falta, Seu apelido. Muito. 
Fechei os olhos por um momento, soltando um suspiro baixo. Eu estava exausta. Me sentia um robô, executando ações mecânicas e totalmente vazias de qualquer sentimento, a não ser a solidão e a agonia que me consumiam na maior parte do tempo. 
Pensei em meus amigos. Zayn , Harry, Louis... Todos sempre tão carinhosos, tão divertidos, tão cheios de vida. Depois do acidente, soube que eles ficaram muito deprimidos, quase da mesma maneira que eu. De certa forma, eu até agradecia por ter ficado em coma por alguns meses após o desastre. Eu os encarava como um vazio em meio ao caos, já que esse período, que eu com certeza teria passado agonizando, me foi gentilmente poupado. Em alguns momentos, eu conseguia ter resignação suficiente para pelo menos agradecer a Deus por isso. 
A imagem de Zayn me veio à mente. Seu rosto pálido e exausto foi o primeiro a entrar em foco assim que saí do coma, e logo que seus olhos se fixaram nos meus, um sorriso doce se formou neles. Foi a partir desse momento que eu soube que Zayn era muito mais que um amigo. Ele agora era um pedaço de mim. O pedaço que mais me lembrava ele. 
Abri meus olhos, sentindo meus lábios se curvarem num sorrisinho carinhoso. Era muito raro algo como aquilo acontecer, mas sim, eu estava sorrindo. De repente, eu senti uma faísca de vida se acender dentro de mim. Muito pequena, mas perfeitamente perceptível. Sim, teoricamente, eu ainda estava viva. 
Nesses raros momentos de lucidez, eu me perguntava algo bastante idiota, mas que me fazia bem até certo ponto. 
Será que ele estava me encorajando a sair da espécie de coma no qual eu ainda me encontrava? 
- Eu vou precisar da sua ajuda – sussurrei, erguendo meus olhos úmidos até ela, e por um instante, tive que engolir meus traumas para continuar falando – Vai ser difícil... Mas eu vou tentar. Por vocês. 
Sua melhor amiga me encarou por alguns segundos, sem acreditar no que eu estava dizendo. Seu rosto se iluminou subitamente quando a compreensão a atingiu, e um sorriso lindo apareceu nele, seguido de um abraço apertado que eu mal tive tempo de processar. Saber que eu, uma morta viva, havia sido responsável por aquela alegria tão grande, ainda mais numa pessoa que eu amava tanto, fez a faísca se transformar numa pequena chama dentro de meu peito. 
Se era ele ou não... Eu jamais saberia. Eu só gostaria de agradecer por me devolver um pouco de vida, nem que fosse só por aquela noite. Eu já estava exausta de caminhar sem rumo em meio à escuridão. 

Minhas mãos estavam geladas. Eu já esperava por isso. 
Não ousei encarar meu reflexo no retrovisor, mas sabia que estava branca feito leite. Nada que eu também já não esperasse. 
Enquanto as luzes da cidade passavam pela janela do carro, como borrões luminosos, eu tentava me acalmar com o vento forte que entrava por ela. Inutilmente, claro. 
Entrar em um carro era traumático demais para que eu conseguisse me manter inerte. 
- Seu apelido? - ouvi Sua melhor amiga chamar, após algum tempo que eu não consegui calcular perdida no vazio de minha mente. Olhei pra ela, sentindo minha consciência ainda um pouco distante dali, e então notei que o carro já estava estacionado na frente da casa de Zayn . Um barulho relativamente alto de vozes falando ao mesmo tempo vinha de dentro dela, e minha garganta se fechou de imediato conforme desviei meu olhar de minha irmã para as luzes fracas que emanavam das janelas da casa. 
Eu nunca mais havia estado ali desde que tudo acontecera. 
As lembranças estavam me afogando. Talvez eu devesse me deixar morrer asfixiada por elas. 
Voltei a olhar pra Sua melhor amiga, que me encarava cautelosamente, enquanto sua voz calma dizia a palavra que eu não queria ouvir. 
- Chegamos. 
Por um momento, o impulso de implorar para que ela me levasse de volta para minha casa me pareceu incontrolável. As palavras estavam prestes a escapar de minha boca, mas antes que eu pudesse encontrar minha voz, vi alguém sair da casa e caminhar em nossa direção. 
E esse alguém, por mais distante que estivesse, tinha um sorriso que me tirou qualquer pensamento da mente por alguns segundos. 
- Meus amores! - Zayn sorriu, aproximando-se do carro e curvando-se para nos ver através da janela aberta da porta de Sua melhor amiga – Seu apelido... Eu nem acredito que você está aqui! 
- Eu disse que ia conseguir dessa vez - Sua melhor amiga sorriu, e a pequena chama de felicidade em mim cresceu ao ver a alegria nos rostos dos dois – Ela está linda, não está? 
- Ela é linda! - ele assentiu, me olhando de um jeito acolhedor, porém tive que me esforçar muito para que suas palavras não trouxessem certas lembranças à minha mente – Será que eu posso dar um abraço nessa gata ou eu vou ter que esperar muito? 
Não pude evitar sorrir diante de todo o seu carinho, e no instante seguinte, me vi saindo do carro e caminhando em sua direção. Ele me esperou na calçada, com os braços estendidos, e sem nem hesitar, mergulhei em seu abraço, envolvendo seu pescoço com meus braços com toda a força que pude. 
Foi como se tudo tivesse voltado a fazer um certo sentido em minha vida. 
Minha ligação com Zayn sempre fora muito intensa. Tínhamos muito em comum, adorávamos fazer bagunça juntos, éramos sempre os responsáveis pelas travessuras e brincadeiras escandalosas durante as festas e viagens em grupo. Porém, quando tudo aconteceu, ele se revelou muito mais que um mero amigo. Sem dúvida, nós cultivávamos algo muito além de amizade um pelo outro. E ambos tínhamos plena consciência disso. 
Era amor... Mas de uma forma diferente. Fraternal, talvez. Transcendental seria um termo melhor, mas ainda assim insuficiente. Não existiam palavras adequadas para definir o que ele representava para mim. 
Tudo que eu sabia era que eu precisava dele. E nem sequer considerava contestar o porquê. Eu apenas aceitava minha dependência, de bom grado.
- Que bom que você veio... Não ia ser a mesma coisa sem você aqui com a gente – ele sussurrou, apertando minha cintura contra si, e eu me vi chorando, com o rosto escondido em seu pescoço. Eu não o via há alguns meses, e só agora que ele estava comigo, sentia o quão dolorosa fora a nossa distância. Talvez todos ao meu redor estivessem certos de certa forma. Eu não podia continuar me escondendo de todos para sempre. Eu precisava de alguém para me ajudar a pelo menos tentar vencer tudo aquilo. 
Superar... Jamais. 
- Que saudade – foi só o que consegui dizer, sentindo-o me erguer do chão por alguns segundos – Me desculpe por ter sumido. 
- Tudo bem, agora você está aqui com a gente – ele murmurou, afastando-se e segurando meu rosto com suas mãos, tão gentis quanto seus olhos – É isso que importa. 
- Ele tem razão – Sua melhor amiga sorriu, enxugando uma lágrima fujona que rolava por seu rosto – Vamos entrar, eu tenho certeza de que tem dois caras doidos pra te ver lá dentro. 
- É mesmo! – Zayn concordou, empolgado, e eu não consegui não sorrir junto com ele – Vem, vamos fazer uma surpresa pra eles! 
Deixei que ele me puxasse pela mão até a porta de sua casa, e logo me vi correndo atrás dele, sendo seguida por Sua melhor amiga. Agradeci mentalmente por ter fugido ao habitual traje mais elegante e ter optado por uma calça jeans, uma camisa justa de botão e um tênis, ambos pretos. Eu ainda preferia usar aquela cor na maioria das vezes. 
Entramos na casa rapidamente, e um turbilhão de memórias me invadiu. 
As memórias da última vez em que estive naquela casa ainda eram muito vivas dentro de mim. Tão vivas que eu precisei fechar meus olhos para que elas não escapassem por eles e me abandonassem, assim como ele havia feito. 
- Adivinhem quem está aqui? – ouvi a voz de Zayn perguntar, e após alguns segundos de hesitação, voltei a olhar ao meu redor, descobrindo que já estávamos praticamente no meio da sala. Ele me conduziu pela mão até que eu surgisse em sua frente, e então meus olhos focalizaram os dois rapazes sentados no sofá. 
Novamente, a tão deslumbrante expressão de alegria preencheu seus rostos. 
- Seu apelido! – Harry e Louis exclamaram em uníssono, fazendo meu sorriso se alargar. Ambos se levantaram no mesmo instante e vieram me abraçar, esmagando-me demoradamente. Devolvi os abraços a cada um, me sentindo feliz como não me lembrava que poderia ser diante de todo aquele carinho, e me deixei ser conduzida até o sofá, onde os quatro me rodearam, com olhares afetuosos e aconchegantes. 
Não havia nenhum resquício de pena neles. Isso me fez muito bem. 
Apesar de tudo, eu temia que toda a minha minúscula animação sumisse, tão rapidamente quanto surgiu. Eu não podia permitir que isso acontecesse, logo agora que eu estava cercada de pessoas que eu amava. 
Ele não gostaria que eu me deixasse desanimar justo naquele momento. 
E foi com esse pensamento que resolvi me agarrar àquela pequena dose de alegria com todas as forças que me restavam. Decidi que era melhor sorrir enquanto eu conseguisse. 
Começamos a conversar animadamente, como se nunca tivesse existido um motivo para que derrubássemos uma lágrima. Ficamos rindo e comentando sobre os recentes acontecimentos, principalmente nas desastrosas vidas amorosas de Harry e Louis, e enquanto isso, Zayn e Sua melhor amiga se ausentavam para receber alguns convidados a mais. Não levou muito tempo para que alguns velhos conhecidos se juntassem a nós, e no final das contas, acabei me distraindo e me divertindo muito com todos. 
Eu não me recordava da última vez em que havia sido tão amada nos últimos cinco anos. Aquela era definitivamente a primeira. E tudo simplesmente porque eu havia me permitido receber todo aquele carinho. 
- Quer uma bebida? - Zayn perguntou ao sentar ao meu lado, passando um braço por meus ombros com sua típica voz de irmão mais velho protetor. Olhei pra ele, com um sorriso espontâneo, e recusei com um aceno de cabeça. Ele manteve contato visual, retribuindo meu sorriso carinhoso, e me deu um beijo demorado e estalado na bochecha. 
- Você não sabe o quão feliz todos nós estamos com a sua presença – ele disse baixinho, e dessa vez eu não consegui evitar que meus olhos lacrimejassem discretamente – É bom te ver sorrindo de novo. 
- Está sendo difícil, e muito, não vou negar... Mas eu não posso continuar me escondendo pra sempre, não é mesmo? – funguei, sentindo meu sorriso se esvair lentamente – Eu ainda o vejo em cada canto que olho... Dói tanto de vez em quando, que eu preciso fechar os olhos e respirar fundo por alguns segundos. 
Zayn suspirou baixo, transformando sua expressão num misto de tristeza e compreensão. Não devia ser fácil para ele suportar a perda de seu melhor amigo, eu tinha perfeita noção disso. 
- Pode parecer hipócrita, mas eu entendo – ele assentiu, sorrindo fraco – Todos nós entendemos. 
Olhei a nossa volta, vendo Louis, Sua melhor amiga e mais alguns conhecidos rirem de Harry, que colocava um canudo em cada orelha e os fazia balançar sem usar as mãos. Um breve e vago sorriso surgiu em meu rosto. 
Eu não estava sozinha. Todos nós o havíamos perdido. Isso diluía um pouco a minha dor. Muito pouco, mas eu podia sentir uma mínima redução conforme a compreensão me atingia. 
A festa foi muito mais tranqüila do que a última que havia freqüentado. Ninguém bêbado, todos consideravelmente comportados, deliciando-se com os pratos maravilhosos que Sua melhor amiga havia preparado para a ceia. Sim, dessa vez houve uma ceia, ao contrário do Natal de cinco anos atrás, onde tudo que se via era gente num estado de quase coma alcoólico espalhada pelos locais mais inusitados da casa. 
Em nenhum momento, fui deixada sozinha. Sempre havia alguém conversando comigo, me fazendo rir, me mantendo presa ao meu frágil fio de alegria. Sem dúvidas, foi uma noite muito acolhedora. 
Mas a presença dele continuava muito intensa dentro de mim. Eu não me permitia esquecê-lo um minuto sequer; não por vontade própria, mas porque sua lembrança era algo muito mais forte do que eu. 
Algumas horas se passaram sem que eu percebesse exatamente o tempo passando. Somente quando os convidados começaram a ir embora, deixando nós cinco sozinhos, eu percebi que já eram duas e vinte da manhã. Engoli em seco. 
Eu odiava estar acordada na hora em que tudo havia acontecido. 
Eu costumava estar sempre acordada nos últimos cinco anos. 
- Minha cabeça dói – Sua melhor amiga gemeu, com a mão sobre a testa e os olhos fechados. A observei caminhar até o sofá vazio onde Zayn estava e deitar-se de modo que sua cabeça repousasse no colo dele, mas pude sentir minha mente um tanto desligada dos acontecimentos ao meu redor. 
- E olha que você quase nem bebeu hoje - ele comentou, franzindo a testa enquanto acariciava os cabelos da namorada. 
- Nem eu – falei, começando a me sentir um tanto asfixiada a cada segundo que se aproximava das duas e quarenta e dois da madrugada, como sempre – Mas parece que o meu cérebro de repente passou a pesar dez vezes mais que o normal. 
- O que houve, Seu apelido? – Sua melhor amiga perguntou, um tanto alarmada, e ergueu seu rosto para me olhar - Quer deitar um pouco lá em cima? 
- Se quiser, quando eu for embora eu te levo - Harry ofereceu, cuidadoso. 
- Ou talvez durma aqui mesmo – minha irmã sugeriu, e eu imediatamente neguei com a cabeça. 
- Não, Apelido da sua amiga , é melhor não - falei me levantando, com uma necessidade louca de ficar sozinha por alguns minutos - Só vou descansar um pouco no quarto de hóspedes, está bem? 
- Quer que eu te ajude a subir? - Louis perguntou, com a voz preocupada, e eu neguei com um aceno de cabeça, apesar de me sentir um pouco tonta. Ficar um pouco sozinha, era só o que eu queria. Eu não estava mais acostumada a ter tanta gente ao meu redor, toda aquela atenção estava me deixando desnorteada. 
Subi lentamente os degraus que levavam ao primeiro andar da casa, e logo cheguei ao quarto de hóspedes. Fechei a porta atrás de mim e me deixei cair na cama, soltando um suspiro baixo ao relaxar meu corpo sobre o colchão macio. Fechei os olhos, sentindo minhas pálpebras pesadas, e me encolhi um pouco, tentando me acomodar. 
Caí num sono tranqüilo e sem sonhos. 
Porém não duradouro. 

Acordei com um leve click vindo da porta. Não havia despertado totalmente ainda; sentia minhas pálpebras pesadas demais para se erguerem, mas estava ciente do que acontecia ao meu redor. Só podia ser Sua melhor amiga checando se eu estava bem, por isso nem me preocupei em me mexer.
Quando eu já estava quase retornando ao sono, senti um peso afundar um pouco o colchão atrás de mim. Abri um pouco os olhos com esforço, sem entender porque alguém havia se deitado ao meu lado. 
Eu só podia estar delirando. 
Essa era a única explicação para o fato de que um perfume conhecido imediatamente tomou conta da atmosfera ao meu redor, fazendo meu coração parar por alguns segundos. 
O perfume que eu havia dado a ele... Cinco Natais atrás. 
Lutei contra o peso de minhas pálpebras, totalmente confusa e alarmada. Levei alguns segundos para conseguir abrir os olhos adequadamente, mas ao sentir um braço envolver minha cintura e me puxar suavemente para mais perto de si, eles voltaram a se fechar, anestesiados com o toque familiar. 
Era ele. 
Não era ilusão. Ele estava ali, comigo, naquele exato momento. Eu tinha certeza absoluta disso. 
Continuei paralisada, sem conseguir sequer respirar, temendo me mover e fazê-lo desaparecer por algum motivo. Senti meu coração voltar a bater, agora alucinadamente, assim como senti uma respiração fraca bater em meus cabelos, aproximando-se cada vez mais de meu ouvido. Apenas esperei, imóvel, por uma resposta às minhas perguntas. 
E ela não tardou a chegar. 
- Eu estou aqui com você outra vez, meu amor... - ouvi a voz de Niall soprar, contra a pele de meu pescoço, fazendo um arrepio percorrer todo o meu corpo – Finalmente. 
Abri lentamente meus olhos, sem conseguir processar suas palavras. Como?, minha consciência se questionava, mas eu mal podia ouvi-la. Ela estava em algum lugar muito longe daquele quarto, e eu não fazia a menor questão de escutá-la. 
Naquele momento, eu não queria mais nenhuma resposta. Eu só queria continuar sentindo o calor fraco de seu corpo, a respiração suave dele batendo em minha pele, o perfume dele invadindo meus pulmões... Pelo resto da vida. Era tudo o que importava para mim. 
- Niall... – sussurrei, sentindo minha voz quase inaudível falhar. Eu sentia como se fosse desfalecer a qualquer momento, mas eu não podia permitir que isso acontecesse. Não agora. 
- Shh... Não diga nada – ele pediu, e novamente sua voz adentrou meus ouvidos, espalhando uma sensação maravilhosa por todos os cantos de meu corpo – Só me deixe ficar aqui ao seu lado, por favor. 
Senti lágrimas inundarem meus olhos, e nem sequer pensei em lutar contra elas. A razão tentava tomar conta de mim, mas meu coração a derrotava, implorando para que eu apenas me calasse e extraísse o máximo de proveito de sua presença. Por alguns segundos, tudo que senti foi sua respiração em meu pescoço e seu abraço firme em minha cintura, mas somente aquilo já era suficiente para que eu me sentisse no paraíso. Quando eu estava quase convencida de que tudo aquilo só podia ser um sonho muito bom e me obrigando a nunca mais acordar, Niall começou a deslizar suavemente a ponta de seu nariz por minha pele, num carinho gostoso. Na mesma hora, toda e qualquer dúvida que existia em mim sumiu. 
Ele estava ali... De verdade. 
Fui incapaz de pronunciar uma palavra sequer. Apenas fechei meus olhos e sorri, com o coração calmo e a respiração livre como não ficavam há muito tempo. 
Agora eu finalmente sabia onde estava a paz que eu tanto buscava. 
Com ele. 
- Como é bom poder te abraçar de novo – ele sorriu, e eu senti várias lágrimas escorrerem por meu rosto e inundarem o travesseiro. Notando meu choro, Niall me aproximou mais ainda dele, como se aquilo fosse uma tentativa de me acalmar, porém o efeito foi totalmente inverso. Me aproximar mais dele só reforçava minha certeza de que ele estava realmente ao meu lado. 
Desesperada para ver seu rosto novamente, fiz menção de me virar em sua direção, e sem receber nenhum tipo de repreensão da parte dele, concretizei meu desejo. De olhos fechados, posicionei meu corpo de frente para o dele, sentindo sua mão colocar-se sobre a base de minhas costas, e ainda sem vê-lo, levei minhas mãos até seu rosto. 
Pude sentir perfeitamente sua pele macia acomodar-se sob as palmas de minhas mãos trêmulas. Senti seus cílios longos fazerem cócegas em meus dedos, e sorri, completamente incrédula. Há quanto tempo eu não sentia aquela felicidade! 
- Eu sei que você consegue me sentir... – Niall sussurrou, e sua outra mão envolveu um de meus pulsos com delicadeza – Não gostaria de me ver também? 
Respirei fundo, extremamente nervosa. E se eu abrisse os olhos e ele não estivesse ali? 
Só havia uma maneira de descobrir. E eu deixei meus temores de lado. Ergui minhas pálpebras. 
Duas íris intensamente Azuis me encaravam, e o amor externado nelas me pareceu quase surreal. Um sorriso lindo moldava seus lábios macios, parcialmente coberto por minhas mãos, e seus cabelos estavam exatamente como da última vez em que o vi, assim como suas roupas eram as mesmas. A lembrança do acidente me atingiu como um tiro no peito, e eu não consegui conter o impulso de levar meus lábios até os dele. 
Como uma boa dose de morfina a um doente afligido pela dor, eu me senti salva. 
Niall puxou meu corpo para mais perto do seu, retribuindo ao meu beijo com muita saudade. Por alguns segundos, nenhum de nós dois teve coragem de aprofundar o beijo, que até então era apenas um selinho, mas logo eu senti sua língua pedir passagem. Nem sequer hesitei em concedê-la, fazendo com que meu corpo se enchesse de calor ao senti-lo tão real ao meu lado novamente. 
- Eu sinto a sua falta... – foi só o que consegui dizer após longos minutos de beijo, com a voz embargada, e ele depositou um beijo suave na palma de uma de minhas mãos, que ainda envolviam seu rosto – Você não imagina o quanto. 
- Eu sei, meu amor, eu sei... Eu também, acredite – Niall falou com a voz e o olhar torturados, enquanto eu tentava conter meu choro inutilmente e meu corpo aproveitava pra matar a saudade do dele – Me desculpe por ter partido... Eu sinto muito por ter te abandonado. 
Senti sua mão deslizar por minhas costas, e fechei os olhos por um momento, sem conseguir assimilar todo o êxtase que se apoderava de meu corpo. Não fazia sentido existir sem ele. 
- Porque você foi embora? – murmurei num tom cheio de dor, sem conseguir evitar a pergunta que me assombrava todos os dias, desde que ele se fora. Niall suspirou fracamente, olhando fundo em meus olhos com agonia, e de repente a desolação que encontrei nos dele fez a minha parecer insignificante. 
Era milhares de vezes maior. 
- Eu não sei, Seu apelido – ele respondeu, fitando cada detalhe de meu rosto com muito apego, enquanto eu me sentia presa aos seus olhos tão intensos – Eu gostaria muito de ter essa resposta um dia. 
- Porque eu consigo te ver e te tocar? – perguntei, subitamente sentindo inúmeras indagações se acumularem em minha garganta. Como se percebesse isso, ele sorriu bondosamente para mim, e eu senti uma pontada em meu peito. Como eu sentia falta daquele sorriso. 
- Porque hoje é um dia especial – ele explicou, dedilhando minhas costas como sempre costumava fazer antes de dormirmos – Eu estou indo embora... Para sempre. 
- Como assim? – questionei, franzindo a testa – Indo embora para sempre? 
- É... – ele assentiu, voltando a me olhar nos olhos, e dessa vez eu enxerguei muita paz neles – Para onde todas as pessoas vão quando completam sua missão. 
Levei alguns segundos para recuperar minha voz, sentindo a vontade de chorar cada vez mais forte dentro de mim. Eu tentava me controlar ao máximo, mas era impossível impedir que algumas lágrimas rolassem por meu rosto. 
- Eu pensei que você já estivesse lá – falei, vendo-o negar com a cabeça. 
- Não... Durante esses cinco anos, eu estive a maior parte do tempo ao seu lado – Niall disse, sorrindo de um jeito triste, e eu senti meus batimentos cardíacos tornarem-se levemente irregulares devido à surpresa que me atingiu – Foi horrível te ver naquela cama de hospital, sem saber se você voltaria... E depois, quando tudo parecia perfeito e você estava saudável novamente, tudo pareceu desmoronar outra vez. Você se afundou numa depressão sem fim, e tudo por minha causa... Você não imagina o quanto me torturava te ver sofrendo e não poder dizer “eu estou aqui, meu amor, eu estou bem, não chore”... Foi a pior sensação que já tive. 
Fechei meus olhos com força, imaginando-o ao meu lado enquanto eu definhava. Eu em seu lugar não teria suportado. Em pensar que naquela época eu tinha certeza de que ninguém estava sofrendo mais do que eu... Estava enganada. 
- E qual é a sua missão? – perguntei, respirando fundo antes de encará-lo novamente, e agora seu rosto transparecia tranqüilidade – Porque só agora você a está completando? 
- Você vai saber muito em breve – Niall respondeu, aproximando um pouco seu rosto do meu de modo que nossas testas ficassem unidas – Eu não posso estragar a surpresa que preparei com todo o meu amor pra você. 
Pisquei algumas vezes, tentando assimilar sua última frase. Não tive muito sucesso. 
- Surpresa... Para mim? – balbuciei, e ele assentiu com um sorriso – Mas o que... 
- Você precisa descansar – ele me interrompeu, com a voz serena, e assim que o fez, eu senti minhas pálpebras voltarem a pesar – Amanhã será um longo dia. 
- Não... Eu quero ficar com você – neguei, franzindo minha testa e lutando contra meus olhos subitamente exaustos – Eu estou bem, eu juro. 
- Eu te amo – Niall soprou, trazendo seus lábios para ainda mais perto dos meus, e me deu um suave beijo de esquimó – Não se esqueça de mim, por favor. 
- Eu nunca vou me esquecer de você – jurei, sem conseguir conter minha tristeza. Eu podia sentir que ele estava se despedindo. 
- Espero que um dia você possa me perdoar por não ter sido capaz de realizar os seus sonhos... Por não poder envelhecer ao seu lado, por não poder te dar filhos... – ele disse, e a dor ficou clara em sua voz – Muito obrigado por ter realizado os meus. 
Encarei seus olhos intensos, vendo-os repletos de tristeza e ternura ao mesmo tempo. Ele ia me deixar sozinha outra vez. Mas ele estava bem. Eu podia sentir seu espírito em paz. 
E se ele estava bem... Como eu poderia não estar? 
- Você realizou até mesmo os sonhos que imaginei serem impossíveis – sorri, acariciando seu rosto enquanto ainda podia e vendo-o retribuir meu sorriso – Não existem maneiras de agradecer pelo que você fez por mim. 
- Seja feliz – ele pediu, olhando para mim com firmeza – Esse é o maior presente que você poderá me dar. 
Niall levou seus lábios até a minha testa, depositando um beijo cheio de amor ali. Meus olhos se fecharam instantaneamente, e como se eu estivesse de volta ao acidente, tudo foi ficando cada vez mais distante e escuro. Mas não havia dor dessa vez... Só paz. 
Sem forças para lutar contra o torpor que me dominava, deixei que os braços dele me levassem para um lugar bom, juntamente com seu sussurro. 
- Eu vou olhar por você... Para sempre. 

- Obrigada, Zayn – sorri fraco, quando ele estacionou na frente de minha casa naquela manhã de Natal. 
Eu não compreendia absolutamente nada ao meu redor. Não entendia que sentimento era aquele que me fazia respirar com tanta calma, que fazia meu coração bater com tanta vitalidade, que permitia que meu corpo se movesse com tanta leveza. 
Talvez ele tivesse deixado um pouco de sua paz comigo. E eu era muito grata por isso. 
Também não compreendia como tudo aquilo tinha acontecido. Eu tinha certeza absoluta de que foi real. Não fora apenas uma ilusão, muito menos um sonho. Eu ainda podia sentir seu perfume me envolvendo, o calor de seu corpo, sua respiração mergulhando em minha boca. 
Mas agora ele havia partido. Eu estava feliz por ele. Finalmente, ele teria seu merecido descanso. 
- Imagina, Seu apelido – Zayn retribuiu o sorriso, e nos encaramos por alguns segundos antes de nos abraçarmos – Te amo. 
- Eu também – sussurrei, apertando-o com força contra mim e sorrindo com muita facilidade – Muito. 
- Eu volto mais tarde pra te levar pra um passeio comigo e com a Sua melhor amiga – ele avisou, e eu assenti, sem conseguir negar uma proposta deliciosa como aquela – Te ligo antes, está bem? 
- Claro – respondi, e lhe dei um beijo no rosto antes de sair do carro. Caminhei distraidamente até a casa, parando um pouco antes para acenar para Zayn conforme ele acelerava pela rua, e assim que me virei para a porta, algo incomum prendeu meu olhar. 
Havia um garotinho sentado em meio à fina camada de neve que encobria os degraus da soleira. 
Franzi a testa, surpresa e confusa com a presença do pequeno, e me curvei um pouco para poder ver seu rosto. Ele estava todo encolhido, abraçado às próprias pernas, e seus olhos miravam perdidamente o chão de pedra esbranquiçado pelo gelo. 
- Olá – sorri fraco, sem saber bem como abordá-lo, e seu corpinho se sobressaltou de susto ao ouvir minha voz; seu rosto se ergueu até seus olhos encontrarem os meus, e eu vi muita insegurança nítida neles – Você precisa de alguma ajuda? 
O pequenino piscou algumas vezes para mim, e eu não pude deixar de admirar seus grandes e brilhantes olhos verdes, assim como seus cílios compridos. Suas bochechas estavam levemente coradas, provavelmente de frio, assim como seu nariz um pouco arrebitado, e sua boquinha estava entreaberta, revelando pequenos dentinhos de leite. Ele deveria ter, no máximo, seis anos. 
- É você? – sua voz fina perguntou, e eu cerrei levemente meus olhos, ainda mais perdida. 
Não tive tempo de perguntar nada. Duas mãos repousaram sobre meus ombros assim que abri a boca para falar, e novamente, a voz que eu tanto amava soprou ao pé de meu ouvido. 
- Esse é o meu último presente – Niall sussurrou, e meus olhos ainda fixos no garotinho à minha frente focalizaram o olhar do pequeno, que agora sorria para alguém atrás de mim – Essa era a minha última missão... O último dos seus sonhos que me foi permitido realizar. Eu amo você. 
Senti meus olhos se encherem de lágrimas, e no instante seguinte, ele havia partido. Fitei os olhos felizes do menininho, que agora voltavam a encarar os meus, e com um sorriso alegre, ele me disse: 
- Sim... É você. Você é a minha mamãe. 
Levei minhas mãos à boca, sem conseguir conter meu choro. Caí ajoelhada diante dele, sentindo muitas lágrimas lavarem meu rosto, e o garotinho se levantou, vencendo a curta distância entre nós e tocando minha bochecha com carinho. 
- Não chore, por favor – ele pediu, e eu pude ver pequenas lágrimas se formarem em seus olhinhos gentis – Eu também vou sentir falta dele... Mas ele me disse que eu não ficaria sozinho. Ele me disse que eu teria você, e que nada de ruim me aconteceria. Então... Fique feliz. Agora você tem a mim também. 
Encarei os olhos do menino, totalmente derrotada pela emoção. Um filho... Pouco me importava que ele não fosse de sangue... Ele era nosso. 
- Eu estou feliz – sorri, tocando as costas de sua mãozinha fria – Muito. Não se preocupe. 
Ele sorriu de volta para mim, com o rosto iluminado de esperança, e com a outra mão, eu acariciei sua face delicada. 
- Meu nome é Ethan* – ele murmurou, e meu sorriso se alargou diante de sua voz alegre – Eu tenho cinco anos. 
Cinco anos. 
A voz quase me faltou ao ouvir aquelas duas palavras. 
- Meu nome é Seu Nome – falei, porém ele não me deixou continuar. 
- Eu sei – Ethan sorriu, com cumplicidade – Ele me disse tudo sobre você. 
Fiquei completamente paralisada diante dele. Ethan havia convivido com ele... Como aquilo poderia ser possível? 
- Disse? – perguntei, vendo-o assentir – Puxa... Ele devia ser mesmo muito legal. 
- Sim, ele era - Ethan concordou entusiasticamente – Ele amava muito você. 
Mordi meu lábio inferior, novamente sentindo as lágrimas correrem livremente por meu rosto. Era perfeito demais para ser real. 
Mas talvez eu estivesse precisando de toda aquela felicidade depois de tanto tempo no escuro. 
- Vamos entrar, Ethan? – sorri, enxugando meu rosto brevemente – Está frio aqui fora... Podemos preparar alguns biscoitos juntos lá dentro. 
- Eu adoro biscoitos! – Ethan disse, batendo algumas palmas, e eu me levantei, estendendo minha mão para que ele a segurasse – Você vai me ensinar a fazer biscoitos, mamãe? 
Olhei para o céu claro sobre nós, vendo apenas algumas nuvens encobrirem a radiante luz do sol. Obrigada, eu disse em pensamento. Eu sabia bem com quem estava falando, e sabia que ele podia me ouvir de onde quer que estivesse. 
Afinal, ele sempre estaria olhando por mim. 
- Vou, meu amor – respondi, voltando a olhar para Ethan, e o conduzi até sua nova casa. 


O amor só é amor se não se dobra a obstáculos e não se curva a vicissitudes. É uma marca eterna, que sofre tempestades sem nunca se abalar.(William Shakespeare) 


*Ethan: no hebraico, duradouro, permanente, contínuo.